COP22: De Paris a Marraquexe, de Trump ao Mundo

Paris abriu uma janela, mas a porta permanece fechada em Marraquexe. Resta saber se, no futuro, a abriremos a tempo.

Em 2015, o mundo aplaudia entusiasticamente o Acordo Climático de Paris. A ambiciosa meta de 1,5° C vendia uma atraente mensagem de sucesso. Paris foi, inegavelmente, uma histórica conquista diplomática no âmbito do regime internacional das alterações climáticas. Mas (ainda) nada mais do que isso.

Após 23 anos de negociações, as Partes acordaram atingir o pico das suas emissões “o mais brevemente possível”, com vista a alcançar a sua neutralidade na segunda metade deste século. Contudo, não foram definidas ferramentas para a consecução deste objetivo, nem mecanismos de punição para países incumpridores. Imagine-se um devedor que, após duas décadas de negociações, reconhece junto do credor a necessidade de pagar a sua dívida o quanto antes, sem que para tal apresente garantias efetivas e sabendo que não estará sujeito a qualquer tipo de sanção. O sucesso de Paris reside no wishful thinking de que o devedor irá saldar a sua dívida da forma que o credor necessita, mas não impõe. Talvez esta imagem permita compreender a debilidade do acordo e a sua rápida entrada em vigor — os riscos para a soberania nacional são reduzidos, porque os países estão vinculados a muito pouco.

Em Marraquexe, o desafio reside em quebrar a vaga retórica de Paris. Todavia, é muito pouco provável que a COP22 atinja este objetivo, pois o sucesso do acordo alicerça-se na “boa-fé” de que as Partes farão o que lhes compete. Além disso, divergências históricas mantêm-se. A Índia e outros países em desenvolvimento criticam, por exemplo, o debate centrado nos esforços de mitigação, que relega para segundo plano a necessidade de implementar cruciais medidas de adaptação nestas regiões. Os acordos globais governamentais continuam a revelar a sua incapacidade para promover uma cooperação séria, pelo que as estratégias bottom-up assumem uma crescente relevância. No âmbito da própria COP22, tem sido destacado o papel das cidades, das empresas e dos cidadãos na construção de um futuro sustentável. Sessões dedicadas aos desafios da escassez de água, da urbanização e da desflorestação alertam para a necessidade de agir em conjunto com atores locais.

A necessidade de uma mobilização local rumo ao global aumenta face a eventos como a eleição de Donald Trump. O seu negacionismo climático terá certamente impactos nos esforços ambientais globais. Myron Ebell a liderar a equipa de transição para a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, investimentos no oleoduto de Keystone e o corte das prometidas ajudas financeiras a programas de adaptação para países em desenvolvimento são exemplos de medidas que simbolizarão uma inversão de políticas. Já na UE, potência tradicionalmente reformista nas negociações climáticas, as forças autoritárias e nacionalistas olham para Trump como o símbolo de uma mudança em curso, que não tardará em impor-se na Europa.

Na Ásia, a poluição atmosférica que assola o território chinês (mais do que um imperativo superior de preservação do planeta) tem sido o motor do maior dinamismo da China relativamente à procura de fontes de energia alternativas ao carvão, cujo consumo tem diminuído nos últimos anos. Num cenário de recuo dos EUA, poderá a China liderar a descarbonização mundial? Acordos bilaterais envolvendo China, Índia e UE (se superadas as ameaças do extremismo político e da desintegração na Europa) poderão ser uma alternativa na esfera governamental.

Paris abriu uma janela, mas a porta permanece fechada em Marraquexe. Resta saber se, no futuro, a abriremos a tempo.

Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL)

Universidade Lusíada – Norte (Porto)

 

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